Wednesday, May 05, 2010

A decisão

“Em geral não se diz que uma decisão nos aparece, as pessoas são tão zelosas da sua identidade, por vaga que seja, e da sua autoridade, por pouca que tenham, que preferem dar-nos a entender que reflectiram antes de dar o último passo, que ponderaram os prós e os contras, que sopesaram as possibilidades e as alternativas, e que, ao cabo de um intenso trabalho mental, tomaram finalmente a decisão. Há que dizer que estas coisas nunca se passaram assim. Decerto não entrará na cabeça de ninguém a ideia de comer sem sentir suficiente apetite, e o apetite não depende da vontade de cada um, forma-se por si mesmo, resulta de objectivas necessidades do corpo, é um problema físico-químico cuja solução, de um modo mais ou menos satisfatório, será encontrada no conteúdo do prato. [...] Se permitíssemos em afirmar que as nossas decisões somos nós que as tomamos, então teríamos de principiar por dilucidar, por discernir, por distinguir, quem é, em nós, aquele que tomou a decisão e aquele que depois a irá cumprir, operações impossíveis, onde as houver. Em rigor, não tomamos decisões, são as decisões que nos tomam a nós. A prova encontramo-la em que, levando a vida a executar sucessivamente os mais diversos actos, não fazemos preceder cada um deles de um período de reflexão, de avaliação, de cálculo, ao fim do qual, e só então, é que nos declararíamos em condições de decidir se iríamos almoçar, ou comprar jornal, ou [...]”



p.41-42.Saramago.Todososnomes.

2 Comments:

Blogger intothehead said...

o drama do hércules é em torno de uma decisão, uma opção. Porém, a forma que é dramatizada, para mim, não leva em conta todo o teor da experiência da decisão, da escolha, que fora da mitologia acontece de uma maneira nem um pouco gritante, como a solidão... que faz parte do processo da decisão. Porém, no drama, entre o vício e o dever surge o dilema... privações, dificuldades ou facilidades...

Como o Jośe Saramago termina o trecho postado [...] "ou comprar o jornal, ou procurar a mulher desconhecida. É por estas razões que o Sr. José, mesmo que o submetessem ao mais apertado dos interrogatórios, não saberia dizer como e porquê o tomou a decisão."

É por isso, a dificuldade da compreensão dos universos por parte dos sexos opostos.

Uma comédia interessante que vi hoje, o Hotel das Ilusões...

5/06/2010 12:57 AM  
Blogger mario travassos said...

o livre arbítrio é um mito

7/03/2010 7:47 PM  

Post a Comment

<< Home